“A ê angola, a ê angola. Essa gunga veio foi de lá, correu mundo, ô correu mar, ôôôô.” (Toada de Reinado)
Abro esse texto com essa toada contada pelos ancestrais e antepassados mais velhos africanos e ensinada ao povo reinadeiro para que não se esqueçam de onde vieram os negros que nesse país foram escravizados, desrespeitados, desamparados, arrancados de suas casas, onde famílias foram separadas e ceifadas pela ganância do colonizador branco e burguês.
A inteligência, a sabedoria, a cultura, a tradição e o ofício do povo preto, que atravessou o atlântico, estão presentes na construção e na história desse Brasil. Os negros quando aqui chegaram não tinham liberdade nem para suas práticas religiosas. E quando resistiam e persistiam tocando seus tambores, entoando suas músicas, fazendo seus ritos eram severamente punidos por cuidarem e serem aparados pelo sagrado, pela espiritualidade. O som do tambor é o som do coração do povo africano e seus descendentes.
Oliveira é uma cidade do interior de Minas Gerais conhecida pela tradição das festas religiosas e culturais como semana santa, carnaval e reinado. Segundo informações presentes na dissertação de Mestrado de Ana Luzia da Silva Morais, que também é Reinadeira e Rainha Konga perpétua da guarda de Nossa Senhora das Mercês, os primeiros registros da festa constam em um estatuto de 1860.
Existe também uma possível ata de 1813 que poderia auxiliar nestas informações, mas ainda segundo Ana Luzia, ninguém sabe onde está o documento. Registros orais apontam que o início da festa por volta de 1786 quando os tambores sagrados eram tocados na mata onde hoje é o bairro de São Sebastião.
No primeiro domingo de agosto acontece o levantamento das bandeiras de aviso que anunciam que a festa está próxima. As bandeiras e os mastros de Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Mercês, Santa Efigênia, São Benedito e Nossa Senhora Aparecida, santos padroeiros do Reinado, são carregados por algumas ruas de Oliveira no meio das guardas até chegarem no centro da cidade onde serão erguidos.
Nesse trajeto, durante o cortejo, reinadeiros, dançadores, cacheiros, capitães, reis e rainhas kongos e perpétuos e as pessoas se unem em um momento de conexão com a espiritualidade, com o sagrado tocando os tambores, patagomes e ganzás, batendo as gungas no ritmo das toadas cantadas. O som ecoa pela cidade. É chegada a hora da bandeira ir pro alto e os reinadeiros cantam toadas como estas.