Vivemos uma era curiosa: todo mundo parece ser especialista em alguma coisa. Ou melhor, em muitas coisas. Há quem se diga especialista em auditoria contábil, em mães atípicas, em gestão de pessoas, em autismo, em neuropsicologia, em marketing, em saúde mental. Tudo ao mesmo tempo. E a pergunta que não quer calar é: como alguém se torna especialista em tantas áreas distintas?
A resposta, ao que tudo indica, é simples e alarmante: basta ter vivido alguma experiência pessoal e decidir que ela é suficiente para orientar outras pessoas. Isso tem se tornado cada vez mais comum, especialmente no campo da saúde mental. Gente, por exemplo, que “curou” a própria ansiedade com determinada prática ou ritual agora vende essa fórmula como solução universal. Cria método, dá curso, escreve e ensina. Tudo baseado em uma única fonte: a própria experiência.
O problema não está em compartilhar vivências. Isso pode até ser bonito, potente e inspirador. O problema começa quando alguém passa a oferecer acompanhamento, intervenção, orientação, como se a própria história fosse validação suficiente. Como se o que funcionou para si fosse, por si só, aplicável a qualquer um.
O nome disso não é clínica, nem cuidado. É marketing raso travestido de ajuda.
Ser especialista exige compromisso com estudo, com teoria, com método, com ética. Exige tempo, responsabilidade, formação continuada, disposição para rever posições. Ser especialista não é sair colecionando cursos com certificado digital e aulas gravadas de má qualidade, sem qualquer aprofundamento. Não é criar um método próprio e, por ele ter funcionado uma vez, supor que ele serve para todos. Isso não é ciência. Isso não é cuidado. E, definitivamente, isso não é ética.
Esperar que essas pessoas ajam eticamente? Talvez seja esperar demais. Porque se fossem éticas, não estariam oferecendo esse tipo de serviço sem preparo, sem responsabilidade e sem formação adequada. O problema não é apenas o que fazem, é que nem sequer reconhecem os limites do que não sabem.
Por isso, quem busca acompanhamento precisa ficar atento. Investigue. Pergunte. Quem é essa pessoa que se propõe a cuidar de você? Qual é a formação dela? Ela sustenta o que diz com base em quê?
Porque, no fim das contas, quem se diz especialista da própria experiência se autoriza a tudo, justamente por não ter compromisso com quase nada.
Autora: Marina Silveira