“Por que Freud formulou esta pergunta que atravessa sua obra — afinal, o que quer a mulher? se aparentemente já tinha encontrado a resposta? Ela quer ser amada.” Aparece logo no início do capítulo 1, do livro Amor, Paixão Feminina, de Malvine Zalcberg.
No texto, ela está chamando atenção para o paradoxo freudiano: Freud, ao longo de sua obra, repetidamente se debruça sobre o enigma do desejo feminino, formulando a célebre pergunta “O que quer uma mulher?”. No entanto, ao mesmo tempo, ele afirma em diversos momentos que a mulher quer ser amada, essa seria uma das respostas fundamentais encontradas na escuta clínica. Então, por que continuar perguntando, se a resposta já foi formulada?
Malvine sugere que essa resposta “ela quer ser amada” apesar de parecer simples, não encerra o mistério, mas o intensifica. Pois o que significa, afinal, “ser amada”? O que há de tão fundamental, tão constitutivo na relação da mulher com o amor, que isso se torna uma função eminente na sua subjetividade?
A frase, portanto, é irônica e provocadora. Ela nos convida a não tomar a afirmação “ela quer ser amada” como uma resposta final, mas como uma porta de entrada para o verdadeiro enigma: por que o amor ocupa, para a mulher, um lugar tão central, e por que, mesmo num mundo em que as mulheres conquistaram outros modos de existência, o amor ainda as atravessa com tanta força?
Ao dizer que “ela quer ser amada”, Freud nomeia uma verdade clínica: o amor aparece como uma demanda central na fala das mulheres. Mas Malvine nos mostra que essa “resposta” não encerra nada ao contrário, abre um campo denso, onde o amor se torna quase sinônimo de existência para muitas mulheres.
Essa é uma das razões pelas quais muitas mulheres temem perder o amor. Malvine retoma isso para mostrar que esse medo é estruturante: ele acompanha a formação da subjetividade feminina, atravessa suas escolhas, suas parcerias, sua relação com o pai, com a mãe, consigo mesma. A mulher, diz ela, muitas vezes aprende desde cedo que seu valor, sua identidade, sua completude, vêm do outro de ser amada. Isso não é natural, mas um efeito da cultura e das formações inconscientes.
Ser amada: o que isso quer dizer, afinal?
A pergunta então se desloca: o que é ser amada para uma mulher? É ser desejada? Reconhecida? Escolhida? É ocupar um lugar privilegiado na fantasia de alguém? É sentir que se é necessária? É fusão? É renúncia? É poder? O amor, para a mulher, carrega ambivalências. Ele pode ser sustentáculo, mas também prisão. Pode ser condição de existência, mas também lugar de apagamento.
Malvine joga com a ideia de que essa resposta — “ela quer ser amada” — pode ser lida como um sintoma. Um modo de a mulher se manter no desejo do outro, muitas vezes à custa de si mesma. A psicanálise, nesse sentido, não vem para dizer às mulheres o que elas devem querer, mas para abrir espaço para que cada uma possa investigar, a partir de sua própria história, o que quer realmente. E isso é revolucionário.
Autora: Marina Silveira