Essa palavra não existe, mas foi a melhor que encontrei para isolar um pensamento que me ocorre quando chega o setembro amarelo, o mês que nos últimos anos é dedicado ao suicídio. Nos anos 90 um jovem americano de 17 anos, que tinha um mustang amarelo, pôs fim à própria vida. Desde então, seus pais e amigos passaram a distribuir mensagens, com fitas amarelas para pessoas que pudessem estar em sofrimento psíquico e com risco de se matar. Essa é a origem que conheço da tradição do setembro amarelo.
É importante que o tema seja colocado em tela. Contudo, ele exige uma reflexão mais ampla e que por vezes é deixada em segundo plano. Saliento dois pontos. O primeiro ponto é que a valorização da vida, sintagma onipresente nas campanhas de prevenção ao suicídio, deve ser dissociada da vida biológica. Somos muito mais do que um um infinito número de células, o espírito humano é muito maior do que o exíguo corpo que pretende lhe confinar.
O que chamamos de vida está longe de ser um coração batendo. É um equívoco achar que valorizar a vida implica em negar a morte. Ao contrário, como a morte faz parte da vida, a valorização da vida inclui um morrer digno. Sim, o suicídio pode ser uma decisão quando a vida se torna insuportável, esse é o tabu que esconde o fato de que todos, incluindo eu e você, já pensamos em algum momento que essa seria uma solução para o sofrimento.
O segundo ponto é que pensar que a vida tornou-se insuportável não é necessariamente uma patologia. Se o mês de setembro deve ser o mês de reflexão sobre o suicídio – ao menos é o que as instituições públicas e privadas anunciam – não devemos colocar todo o peso do ato nas costas daquele que desistiu da vida. Para mim, setembro amarelo tem que ser igualmente o mês de reflexão sobre o mundo em que vivemos.
Campanhas de prevenção ao suicídio podem muitas vezes esquecer que o próprio estado, em certos casos, tem responsabilidade ao tornar o mundo impossível. Seria leviano ignorar situações clínicas que podem levar ao suicídio. Mas, quando jovens estão sem futuro, quando idosos estão sem presente, quando a única felicidade está no passado, é muito cômodo livrar-se da responsabilidade colocando fitinhas amarelas na lapela.
Trecho do livro “A morte de si”, de Marcelo Veras