Dia 02 de abril é o dia da conscientização sobre o autismo. Quando falamos em autismo, é comum pensarmos em crianças. Mas e os adultos autistas, onde estão? Ou, e quando aquelas crianças autistas crescem? Vale lembrar que o número de diagnóstico de autismo tem aumentado consideravelmente. Estima-se que, no Brasil, há 2 milhões de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Apesar do processo diagnóstico ser questionável, até mesmo porque não se sabe se a incidência do autismo aumentou ou se o fato de hoje termos mais critérios para se estabelecer o diagnóstico pode ter provocado um aumento no número de diagnósticos, é evidente tal aumento. Portanto, é de suma importância pensar sobre os autistas em sua diversidade – crianças, adolescentes, adultos; homens e mulheres; etc. Mais importante ainda é considerar que o autismo se expressa de formas inumeráveis, assim nós o temos denominado autismos, pois ele é mesmo plural.
Retomando a questão do autismo nos adultos, os sintomas, tal como nas crianças, refletem no laço com o outro (a socialização), na comunicação (em suas diversas formas), no comportamento, como no caso dos movimentos estereotipados, nos interesses, que se tornam bastante restritos (tendo a possibilidade de, posteriormente, desenvolver o que é chamado de ilha de competência), e nas percepções sensoriais (maior sensibilidade). É notório que autistas adultos chegam em menor número aos consultórios. Alguns especialistas dizem que isso se relaciona a uma espécie de conformação da família com os sintomas do sujeito, de modo que, com o passar do tempo, eles se tornam menos diferentes para os familiares e trazem menos conflitos. Mas vale ressaltar que a intervenção precoce (inclusive com sujeitos ainda bebês) promove uma grande abertura de possibilidades para os sujeitos autistas.
A produção Atypical (Netflix) é interessante para entender um pouco do autismo na vida adulta. A série é muito divertida e retrata o cotidiano de Sam, um jovem de 18 anos que inicia suas aventuras românticas, escolares e laborais. Os episódios retratam como se dão os sintomas autísticos. Sam, por exemplo, ao iniciar um namoro, sempre fica muito embaraçado por não conseguir entender o que a namorada espera dele. No autismo, há essa dificuldade de ler o outro, suas expressões e sentimentos, bem como de entender o que é esperado em cada situação, isso é, a demanda do outro. Tanto é que, o autista tanto se perturba com a demanda do outro em relação a ele, quanto com a dele em relação ao outro, de maneira que tem dificuldades em pedir algo a alguém.
A série também mostra grande interesse de Sam pelos pinguins refere-se ao foco que o autista dá a algo em especial. Outra característica importante demonstrada por Sam é a necessidade de uma rotina estabelecida e, consequentemente, uma grande dificuldade com qualquer quebra nessa rotina. Tanto nos momentos em que algo inesperado atravessa o cotidiano de Sam, quanto nos momentos de muito alarde, barulho, falação, excessos sensoriais, Sam costumava entrar em crise e era preciso que alguém o ajudasse. Na maioria das vezes, sua irmã fazia isso. A hipersensibilidade é muito presente nos sujeitos autistas.
Para além desses aspectos, o mais interessante nessa série é como a família é toda mobilizada pelo autismo de Sam. Assim, quando Sam começa a “voar” para fora do “ninho”, a família toda vai se movimentando em suas próprias questões. Vocês que já assistiram perceberam isso? O casamento dos pais passa por desalinhos, a mãe acaba se envolvendo com um outro homem; a irmã também passa por uma questão em sua vida amorosa e encontra percalços em sua orientação sexual. Ou seja, quando distanciados da “questão” do Sam, eles podem ver suas próprias questões e começam a lidar com ela de uma forma ou de outra. Eu, particularmente, acho isso o ponto forte da série.
Para finalizar, indico também, se você tem interesse sobre os autistas adultos, a leitura das obras deles. Os autistas têm muitas autobiografias. Cito, como uma das indicações, os livros de Temple Grandin. Provavelmente vocês já ouviram falar sobre ela. Temple trabalha na área da zootecnia no Texas (EUA) e desenvolveu o manejo racional do gado. Para isso, ela inventou uma máquina que acalma os animais antes do abate para que a carne tenha uma qualidade melhor. E ela a construiu baseando-se na máquina que inventara para si própria com o intuito de acalmá-la, a máquina do abraço. Essa contenção do corpo no autismo, como em um abraço que envolve o corpo e o deixa firme, costuma auxiliá-los nos momentos de grande angústia. A Temple, em seu livro, “A menina que pensava por meio de imagens”, conta com detalhes sobre suas experiências de vida, reconhecendo-se como autista.
REFERÊNCIAS: